Poemaduro

Poemaduro
O que nos espera nestas páginas é um formato eclético de poesia que não se ocupa meramente em perseguir estilos predefinidos ou regras acadêmicas. Ao contrário, considerando-se que não há como se escapar aqui de algum tipo de impacto, "esbarraremos" em um poeta livre e original, que conduz sua criação, a um só tempo, com a leve candura de um colibri, mas com o vigor e a autonomia de uma águia dos desertos. Enquanto colibri, Mailton Rangel extrai de sua mais intimista subjetividade, toda uma complexidade de conteúdo com o mínimo de movimentos ou barulho, mostrando, às vezes, com as imagens e os silêncios de poucas palavras, muito mais do que os olhares displicentes possam captar. "Eu busco um lirismo forte / Uma espada / Um devaneio / E uma tocha... / Já não me espanto mais / Com flor que desabrocha / Quero um desabrochar... de rocha!" Já a águia, revela-se pela apurada acuidade visual, capaz de enxergar seus objetivos até quando distantes e camuflados sob carapaças. Isso se associa à determinação de lançar-lhes suas garras e sacudi-los, até que dali se transpareça uma essencialidade esquecida ou petrificada. "Por mim / Não existiria uma só praça / Com nome de general / Porque praça / É lugar de criança / E general que tem nome / Ainda hoje me lembra... Matança!"

Princípio do Enigmanismo

Princípio do Enigmanismo
Óleo sobre tela de Mailton Rangel

sábado, 6 de agosto de 2011

FUTURIZANDO


SIMBIOSE - Mailton Rangel. Óleo sobre tela



FUTURIZANDO



Na paisagem do futuro

Não haverá papel com letras polidas,

Metabolismo mental lapidado;

Grafo-estruturado

Pra desabrochar nossas cabeças.

Não haverá

A semente-sensibilidade do poeta,

Porque as próprias mãos da semeadura

Estarão inertes,

Obsoletas,

Carbonizadas, talvez,

Putrefatas pelo tempo;

Inservíveis para o contexto da modernidade.

Então,

Remanescerão apenas,

Atitudes e conceitos selecionados

Pela magnânima tecnologia evolucionista.

E restará,

Sob as cinzas redentoras da sapiência total,

O brilho dos sorrisos do passado,

Os olhos apagados das crianças,

Os sonhos coloridos das pessoas,

Os abraços de fraternidade,

E tudo mais...

Que salpicasse a vida de alegria!

Seremos superiores humanóides,

Desprovidos de vãos sentimentalismos,

Expurgados das torpes lembranças

Do tempo em que ainda se podia ser e viver,

Ao invés de ter e existir.

Com isso,

As frívolas motivações do amor estarão soterradas

Pelos escombros da simplicidade.

Não haverá mais sentimentos espontâneos.

...Tudo estará pesquisado,

...Tudo estará conquistado,

– Tudo estará programado...

– Tudo estará programado...

– Tudo estará programado...

E não haverá mais a necessidade da poesia!

Não haverá mais o medo nem a coragem;

Não haverá o idealismo...

E, como tatus gigantes em carapaças de aço,

Todos estarão imunes a tudo.

Não haverá mais a morte total da matéria,

Porque nossos cérebros embalsamados

Se eternizarão,

Incrustados

Em metálicas estruturas humaniformes!

Promover-se-á a automatização de tudo,

E até os eventuais cadáveres remanescentes

Não mais serão enterrados,

Nem carcomidos na seiva orgânica da terra;

Continuarão, ao contrário,

Perambulando,

Clinicando,

Ministrando,

Subjugando...

Permutando os sorrisos comerciais

E assinando cheques e contratos

Em nome de todos os outros autômatos.

Não haverá mais fome,

Nem favelas,

Nem lixeiras...

Não haverá madeira,

Nem plantações,

Nem pecuária...

Pois, todo o lixo hoje existente

Será catalisado,

Transformado em combustível,

Abrigos descartáveis,

Comida sintética...

Não haverá, sequer,

Mistérios indecifráveis

Para essa humanoidade reinante!

Nossas florestas serão de plástico,

E as nossas pessoas serão frias,

Práticas,

Estéreis...

Tendo-se em vista

Que todo o trabalho será das máquinas!

Assim como o produto de todo o trabalho, também!

E todos, definitivamente,

Ver-se-ão voluntariamente induzidos

A comer o mínimo que lhes couber,

Sem se sentirem insatisfeitos.

Não haverá mais violência:

Pois, já não haverá mais alguém para se violentar!

Não haverá sentimentos ou atitudes

Inibitórios do “status quo” maravilhante.

Não haverá o carinho,

A sinceridade,

A espontaneidade,

O afago...

Não haverá a alegria!

Nem haverá sonhos,

Aspirações,

Revoltas,

Inconformismos...

Só restará uma cinzenta névoa

De realidade, de automatismo...

Não haverá a flor,

O namoro,

O violão...

Não haverá mais...

Com o que se preocupar!


(Mailton Rangel)

Publicado no livro POEMADURO.


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